Ideologia e marketing: o espaço da opinião nas editorias econômicas dos magazines semanais de informação geral
          Ivo José Dittrich (Unioeste) e Nilson Lemos Lage ( UFSC)


Resumo
Este artigo trata de proposições interpretativas e opinativas nas páginas econômicas de semanários brasileiros de informação geral. Milhares de sintagmas nominais foram coletados, entre julho de 1999 e junho de 2000, nas páginas de economia de três revistas (Veja, Isto é e Época) - as mais populares do país. Procedeu-se à análise de tal corpus. Constatou-se, então, que sintagmas nominais - mais do que os sintagmas verbas ou adverbiais - são o lugar privilegiado desses gêneros retóricos (interpretação e, principalmente, opinião), conduzindo a um consenso que parte do princípio de que o mercado tem papel dominante e de que a política de globalização levará a sociedade de consumo a um futuro radioso.


Abstract
This paper deals with interpretative and opinionative assumptions in the economic pages of Brazilian weekly general information magazines. Thousands of definite nominal phrases were collected between July, 1999 and June, 2000, from the economic pages of three magazines (Veja, Isto é and Época) - the better known of the country . An analysis of such corpus indicated that nominal phrases - more than verbal or adverbial ones - are the outstanding locus of such rhetorical genders (interpretation and, mainly, opinion), leading to a consent that takes for granted the dominant paper of market and the promised paradise of consumption society in the future, under globalization politics.

Palavras-chaves
Magazines de informação geral/ Texto interpretativo/ Texto opinativo


   Karl Kraus, o cáustico editor e redator quase único dos 922 números de Die Fackel, criticava nos jornais austríacos do início do Século XX, particularmente em Die Neue Freie Presse, contradições tais como a coincidência do moralismo nos editoriais com a publicação, nas páginas que hoje chamaríamos de "classificados", de anúncios de massagistas e acompanhantes. Mas isso era o de menos:


O que elevava às alturas a irritação de Karl Kraus diante do jornalismo de seu tempo era a mistura de opinião e fato envolvida na apresentação de notícias deturpadas por interesse de classe.(...) O ensaio cultural, o feuilleton, era para muitos a mais importante seção do jornal (...) uma espécie de vinheta, na qual uma situação era descrita com todo o colorido que o autor pudesse reunir; (...) resposta subjetiva a um estado de coisas objetivo, planejada para ser transmitida em linguagem repleta de advérbios e, em especial, de adjetivos, de maneira tal que a situação objetiva perdia-se nesse emaranhado; (...) os fatos objetivos vistos através das emoções multifacetadas do escritor, suficientemente narcisista para considerar suas próprias reações emocionais como possuidoras de perceptividade e qualidade universais. (...) Para o burguês, (...) o ponto alto de todo o jornalismo". (JANIK & TOULMIN, 1991:81)

   Os tempos são outros. Profissionais - economistas, advogados, sociólogos -, aos quais não se pode imputar qualidades de estilo, produzem os formalismos que ocultam a realidade, mas as características gerais dos textos que irritavam Kraus encontram-se ainda hoje nas páginas de opinião e nos suplementos dos jornais. Em nenhuma parte, no entanto, elas podem ser mais notadas do que nos semanários de informação geral do tipo de Veja.
   Ideologia, informação e marketing em forma impressa, essas revistas abastecem o público de modas culturais, denúncias de escândalos, eventos nacionais e locais (com maior freqüência de São Paulo, que é o maior mercado) inéditos ou requentados, cobertura internacional, geralmente copiada de publicações do Primeiro Mundo. Quando faltam essas atualidades de impacto, recorrem a matérias temáticas que agitam aspirações e temores difundidos de seu público (enriquecimento/empobrecimento, misticismo/hedonismo, gordura/magreza, ciência/superstição, heterossexualismo/homossexualismo, homogeneização/identidade etc.).
   As peculiaridades estilísticas desses magazines - o que, neles, destoa do noticiário corrente, sem alcançar o nível de análise da imprensa especializada (Nature, Foreign Affairs etc.) - resultam de aperfeiçoamentos e adaptações do Timestyle - originalmente (Time foi fundada em 1923 ), "ordem inversa das palavras, sentenças invertidas e termos aglutinados" (EMERY, 1965: 693):

Henry Luce e seus editores não pretenderam se limitar aos conceitos tradicionais de objetividade jornalística, que consideravam como mítica. Nem tampouco queria a Time ser chamada de imparcial. (...) Num histórico ensaio publicado por ocasião de seu 25º aniversário, Time dizia: "O jornalista responsável é parcial com relação à interpretação dos fatos que lhe parece se ajustar às coisas como são". (...) Alguns críticos, porém, achavam que a Time não era às vezes honesta com os seus leitores, desde que apresentava opiniões e hipóteses editoriais de permeio com as notícias concretas. As predisposições editoriais da Time eram acentuadas pelo uso que fazia das técnicas narrativas e de interesse humano. (EMERY, 1965: 692).

   Os pontos de vista de Luce quanto à intenção de objetividade dos jornalistas coincidem com a atitude dominante dos intelectuais contemporâneos brasileiros, que reclamam "o controle social da imprensa" . Em sua longa existência, Time prova ser desnecessário tal controle: tão logo liberto do compromisso ético e técnico que restringe testemunhos subjetivos e valoriza os dados que se podem constatar ou medir, qualquer publicação de grande porte, sendo empreendimento capitalista, torna-se instrumento dócil do discurso dominante - isto é, do conjunto de versões da realidade partilhadas por seus financiadores bancários, controladores de empresas anunciantes e detentoras de tecnologia.
   Neste artigo, pretendemos mostrar, nas editorias de economia dos três maiores magazines semanais de circulação nacional no Brasil, (a) a diferença sutil entre interpretação e opinião, nem sempre reconhecida nas teorias do jornalismo e (b) alguns dos mecanismos fundamentais em que se apóia a produção de interpretação/opinião nos magazines que, ainda que indiretamente, seguem o modelo de Time: Veja, principalmente, mas também Isto é e Época.

1. Informação, interpretação e opinião

   O texto informativo dá conta de um fato ou de uma série de fatos ocorridos sucessivamente no mesmo local ou no contexto de um mesmo assunto (uma guerra ou ma disputa esportiva, por exemplo) em um lapso de tempo. O texto interpretativo apresenta fatos propondo ligações entre eles que conduzem a vários entendimentos possíveis, pelos critérios de causa/conseqüência, analogia/paradoxo, aparência/essência etc. O texto opinativo propõe uma versão para um conjunto de fatos, mencionando-os ou não.
   Texto informativo e texto interpretativo formam um contínuo: todo texto informativo pressupõe alguma interpretação e todo texto interpretativo é também informativo. A diferença é essencialmente de gradação.
   Alguma interpretação existe no texto informativo porque (a) a sucessão de proposições referidas a fatos sugere causa; (b) a contiguidade entre proposições referidas a fatos sem relação causal possível sugere semelhança ou contradição; (c) a contiguidade entre proposições, uma essencial ou distante, outra mais aparente ou próxima, sugere que a primeira explica a segunda, ou a segunda documenta a primeira; (d) as palavras têm conotações, isto é, sugerem entendimentos diferentes para a realidade. Se digo "João matou Maria", "João assassinou Maria" ou "João degolou Maria" (portanto, uma ordem do mais vago ao mais específico), apresento o mesmo fato com intensidade ou nuanças diferentes. Degolar é mais descritivo, preciso e, portanto, mais dramático do que matar.
   Textos informativos e interpretativos diferem de textos opinativos porque fornecem ao consumidor escolhas quanto à conclusão. Diante de textos opinativos, só se pode concordar ou não. A diferença ficará mais evidente nos exemplos seguintes:

1.1. Primeiro exemplo
   TEXTO INTERPRETATIVO.
Admitamos que junto três fatos na mesma matéria:
(a) João matou Maria
(b) João teve alta do manicômio há pouco tempo
(c) A política adotada no setor de saúde é ampliar o atendimento ambulatorial de doentes mentais.

    A ligação entre esses fatos no mesmo contexto pode ser assim esquematizada:
                  (a)
                   relação seqüencial (causalidade fraca - post hoc ergo propter hoc,                    supõe-se que o conseqüente é causado pelo antecedente)
                  (b)
                   relação causal
                  (c)
                   O sistema de relações estabelecido entre os fatos oferece ao                    consumidor a possibilidade de produzir as seguintes conclusões                    opinativas:
(i) a política de incentivo ao atendimento ambulatorial de doentes mentais é errada;
(ii) a política de incentivo ao atendimento ambulatorial de doentes mentais está sendo mal aplicada;
(iii) mesmo uma política correta como a do atendimento ambulatorial de doentes mentais é susceptível de acidentes como o que ocorreu no caso de João;
(iv) trata-se de coincidência.


TEXTO OPINATIVO

A redução dos custos no atendimento à saúde, resultado da política de arrocho dos gastos públicos ditada pelo FMI, traz riscos à população, que tem que conviver com pessoas insanas. É o caso de João, que matou Maria.

Observe-se que:
(i) não há possibilidade de escolha pelo receptor, salvo concordar ou discordar;
(ii) o texto existe substantivamente, mesmo sem o último período, que remete ao fato.

1.2. Segundo exemplo

TEXTO INTERPRETATIVO
Admitamos que junto três fatos verdadeiros na mesma matéria:
O Presidente John Doe tem a maior rejeição pública da história jamaicana;
O Primeiro-ministro Winston Churchill tinha a maior rejeição pública da história inglesa logo antes da Segunda Guerra Mundial;
Churchill conduziu a Inglaterra à vitória na guerra.

A ligação estabelecida entre esses fatos no mesmo contexto pode ser assim esquematizada:
                      (a)
                       relação analógica
                                                     (b)
                       relação paradoxal
                       (c)
A relação estabelecida oferece ao receptor a possibilidade de produzir as seguintes conclusões opinativas:

(i) John Doe é um grande homem como Churchill, injustiçado pela massa;
(ii) No caso de John Doe, o povo está acertando, o que não acontecia com Churchill;
(iii) Só se houver uma guerra a imagem de John Doe se recupera;
(iv) Trata-se de coincidência.

TEXTO OPINATIVO

À semelhança de Churchill, que viveu momentos de rejeição popular sem precedentes antes de alcançar a glória política no contexto da Segunda Guerra Mundial, John Doe está pagando o preço de sua coerência e da persistência com que se empenha na defesa do interesse da Jamaica. Mas o futuro imediato, tal como aconteceu com o Primeiro Ministro inglês, logo o reporá no lugar merecido.

Observe-se que:
(i) não há possibilidade de escolha pelo receptor, salvo concordar ou discordar;
(ii) o enunciado existe substantivamente, mesmo sem o apoio do fato, que aparece aí apenas como pretexto para a manifestação da atitude do autor (no caso, ele transforma o fato negativo em positivo).

2. As microestruturas da opinião

   A explicação acima parece satisfatória em termos de macroestrutura, isto é, da conformação geral que nos permite concluir, do ponto de vista semântico, que o enunciado corresponde a eventos do mundo real ou de mundos possíveis (a referência), contém ação ou relação relevante e presumivelmente ainda não percebido pelo receptor (a informação), sustenta leque amplo de versões (interpretação) ou impõe, em última instância, uma única versão (opinião) a partir de fatos, proposições gerais ou documentos.
   No entanto, o problema que se coloca é o das microestruturas, através das quais realizam-se concretamente funções de referência, informação e argumentação. No nível da sentença, as possibilidades variam entre os sintagmas verbais, os sintagmas nominais e os moduladores externos, tais como infelizmente, para desespero dos investidores, em um momento de fúria etc. Dentre essas três categorias, a maior convergência das funções referencias, informativas e argumentativas encontra-se nos sintagmas nominais, quer se constituam de nomes próprios (Volkswagen/a mais antiga montadora alemã instalada no Brasil; Embraer/o concorrente brasileiro da Bombardier), nomes genéricos (fábrica /empresa/indústria/ /planta/firma), modificados ou não, ou nomes relacionais complementados por um termo referencial (um milhão de quilômetros, irmão de Pedro).
   A partir dessa perspectiva, elegeram-se as descrições definidas para o estudo de 150 títulos e 30 textos de reportagens econômicas dos magazines Veja, Isto é e Época - cinqüenta de cada um - , entre julho de 1999 e junho de 2000 (DITTRICH, 2001). A distinção funcional procurada pode se evidenciar a partir de um exemplo:

(a) No Rio Grande do Sul, já foram lançadas as primeiras sementes de trigo para a próxima safra de verão; (b) No Rio Grande do Sul, já foram lançadas as primeiras sementes transgênicas de trigo para a próxima safra de verão; (c) No Rio Grande do Sul, já foram lançadas as controvertidas sementes transgênicas de trigo para a próxima safra de verão. (op.cit.:14)



   Na sentença (a) predomina a função referencial, já que a informação em si (de as sementes serem de trigo e as primeiras), no contexto do magazine, é sobretudo designativa; na sentença (b), o termo agregado (transgênicas) introduz informação jornalística relevante, pela novidade e pela controvérsia ; em (c), o valor argumentativo do termo controvertidas, que se poderia imaginar implicado em (b), evidencia-se quando se propõe a substituição por perigosas, revolucionárias, extraordinárias ou resistentes .
Os suportes teóricos da pesquisa são, principalmente, a Teoria da Relevância (SPERBER & WILSON, 1995) e a Nova Retórica (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 1999).

3. A pesquisa em números

  O período em que foram publicadas as reportagens (1999-2000) foi marcado, nos contextos nacional e internacional, pelas fusões de empresas, pelo discurso da livre concorrência (que, como advertia o Papa Pio XI, na sua encíclica Quadragesimo Anno, de 1931, conduz inevitavelmente à vitória dos mais fortes ) e pela repercussão das novas tecnologias no quadro das relações sociais e econômicas. Era a globalização posta em prática.
   Correspondendo a isso, os títulos contêm dominantemente os traços de grandiosidade (27), união (nove), disputa (30) e intensidade (23). Somam 90 em 150. Se considerarmos formas ambíguas, que podem ser enquadradas nessas categorias (Hora de reduzir riscos, La dolce vita de Cacciola, Leilão das gôndolas - em grandiosidade, por exemplo), o número ultrapassa cem, ou dois terços do corpus. Sobrepondo-se a essas classes, a referência à tecnologia (O buraco negro do DDD, A escolha de Gates, Acabou a mamata da Internet etc.) concorre com pelo menos duas dezenas de títulos.
    Quanto à forma gramatical, 25% dos títulos são descrições definidas; 34 % descrições não determinadas (isto é, sem marcador definido ou indefinido), menos de 3% descrições indefinidas (são cinco títulos e, pelo menos em dois o um/uma é ambíguo, sugerindo, mais ou menos intensamente, o valor numeral: Uma moeda para todos e Uma fatia do bolo); 20% têm outras configurações nominais (marcadores nem, de, esse, até, só etc.).
   Títulos com inserção de sintagmas verbais acontecem em 23% dos casos (35 em 150), com forte predomínio de Veja sobre suas concorrentes: cerca de 5% consistem de descrições definidas seguidas de verbo (por exemplo, O capitalista desapareceu, em que "o" reporta-se à categoria dos capitalistas, não a nenhum investidor em particular); 5% de descrições não determinadas seguidas de verbo; e perto de 14% com outros tipos de inclusão verbal. Os campos semânticos são, dominantemente, verbos de processo e ligação, os que indicam posse e benefactivos . Há, em todos os casos, mas principalmente nas construções com verbos, a nítida preocupação de parafrasear seqüências que os leitores provavelmente têm na memória: Yes, nós temos tecnologia/Yes, nós temos bananas (marcha cantada por Carmem Miranda), Quem tem medo de estrangeiros?/Quem tem medo de Virgínia Wolf? etc.

TAB. I - PERFIL GERAL DOS TÍTULOS
Expressões Nominais
Títulos com verbo

REVISTA DDS DND DIS OCN TOT DDS DND Outros TOT TOTAL
Veja 14 07 02 06 29 07 03 11 21 50
Época 11 28 02 04 45 00 01 04 05 50
Isto É 13 17 01 10 41 00 03 06 09 50
TOTAL 38 52 05 20 115 07 07 21 35 150
Percentual* 25% 34% 03% 13% 75% 05% 05% 15% 25% 100%
* Os percentuais foram arredondados.

   Observa Dittrich (op.cit.:108):

Para quem é do ramo jornalístico, a predominância dos títulos compostos por expressões nominais sobre aqueles que apresentam verbo não seria novidade. A tabela, entretanto, permitiria estabelecê-la mais precisamente: 3x1, em média. Se aplicada particularmente a cada uma das revistas, a relação cairia para 4x3 em Veja e subiria correspondentemente nas outras duas. Essa tendência poderia estar indicando que Veja seria mais incisiva e categórica em seus títulos; suas reportagens penderiam mais para o caráter argumentativo. Haveria, entretanto, a necessidade de maior número de dados para sustentar a hipótese. Mas a relação estabelecida não deixa de ser um ponto de referência para contrapor uma reportagem a outra, o jornalismo de revista ao do jornal diário e os próprios gêneros entre si.

   Das 150 reportagens, 30 foram consideradas para a análise dos textos. Referiam-se aos assuntos mais freqüentes: 18,7% fusão ou venda de empresas; 18,7% empresas e investimentos; 16,7% política econômica nacional; 11,3% empresários e executivos; 9,3% questões sociais; 7,3% corrupção ou denúncias; 7,3 política econômica; 6% Internet e 4,7% crise Brasil-Argentina. Para completar o número considerado excelente como amostragem, incluíram-se mais três reportagens do bloco empresas e investimentos, considerado o mais representativo em termos de conteúdos que se ramificam nos temas. Empresas e investimentos teve, portanto, seis reportagens escolhidas, duas de cada revista, e os demais blocos, três reportagens cada, um de cada revista.
   Os sintagmas nominais desses textos foram distribuídos, de acordo com a presença e natureza dos determinantes, pelas categorias descrições definidas(DDS), descrições indefinidas (DIS), descrições com outros determinantes (DOD) e descrições não determinadas (DND). Quanto à presença e natureza do modificador, utilizaram-se as categorias descrições simples ou não modificadas (DS); descrições modificadas restritivas (DRS), descrições modificadas indicativas (DInd.), descrições modificadas relativas (DRel) e descrições modificadas qualificativas (DQS).
    A configuração numérica resultante da pesquisa é a seguinte:


TAB II – Distribuição das descrições em relação aos determinantes:

REVISTA

DDS

%

DIS

%

DOD

%

DND

%

TOTAL

VEJA

0987

64%

178

11%

098

06%

283

19%

1546

ÉPOCA

1137

65%

158

09%

070

04%

379

22%

1744

ISTO É

0826

66%

145

11%

068

05%

225

18%

1264

TOTAL

2950

%65

481

10%

236

05%

886

20%

4554


TAB II – Distribuição das descrições em relação aos determinantes:

REVISTA

DDS

%

DIS

%

DOD

%

DND

%

TOTAL

VEJA

0987

64%

178

11%

098

06%

283

19%

1546

ÉPOCA

1137

65%

158

09%

070

04%

379

22%

1744

ISTO É

0826

66%

145

11%

068

05%

225

18%

1264

TOTAL

2950

%65

481

10%

236

05%

886

20%

4554

   Na TAB II, não há grande variação entre as revistas: o predomínio das descrições definidas deve indicar que elas se equiparam ao supor que o leitor já domina muitos dos conteúdos abordados. Se aproximarmos semanticamente as descrições não determinadas (isto é, sem indicação de definitude ou indefinitude) das indefinidas - que é possível e até estilisticamente recomendável em português -, teremos dois grandes blocos, um com 65%, outro com 30%. Aos 65% talvez se possam acrescer as descrições com marcadores como o demonstrativo esse.
   Na TAB III, constata-se que, em média, as descrições modificadas prevalecem na proporção aproximada de 3x1, o que ocorre homogeneamente em todos os textos: a proporção de descrições simples somente em quatro matérias das 30 analisadas supera os 29% ou é inferior a 21%. As descrições simples são, em 70% dos casos, constituídas do nome de pessoas, lugares ou instituições, restando 30%, ou perto de 7% do total, para descrições do tipo D+N, tais como o negócio, a empresa ou o problema.
   Na TAB IV, o predomínio das descrições modificadas é explicado: a maioria delas é constituída de construções restritivas (89%), o que demonstra o quanto a língua depende de combinações de palavras para cumprir o papel de referência. Nos períodos seguintes não seria possível, por exemplo, suprimir as expressões adjetivas que acompanham os nomes nos segmentos grifados sem inevitável alteração ou perda de sentido:
         (a) A indústria automobilística, que por anos assistiu ao desinteresse do consumidor pelo carro a álcool,               começa a sentir o reaquecimento desse mercado. (Isto É, "O mico que virou curinga").
         (b) Não está entre as atribuições do departamento convalidar análises de pedras preciosas. (Época, "O               golpe das pedras")
         Considerando-se que a metade tem o hábito de comprar em sites do exterior , restam a cada mês apenas 9          dólares per capita para as 450 lojas em operação no país. (Veja, "Acabou a mamata na Internet").


As descrições indicativas informam, em regra, nas editorias de economia, quem foi o responsável por determinada declaração - um recurso, pois, ao argumento de autoridade. Despertam maior interesse, no entanto, porque,: não sendo indispensáveis à designação do referente, podem oscilar entre a agregação de informação e a construção de argumentos:
         (a) O engenheiro agrônomo gaúcho Gilberto Gollner vive batendo recordes de produtividade em seus 13000               hectares plantados com soja e algodão. (Veja, "O ex-patinho feio")
         (b) O caixa da companhia, que havia sido aberto no início do ano para a aquisição por US$ 6 bilhões da               divisão de carros da sueca Volvo, soma mais US$ 25 bilhões. (Isto É, "Em dois mundos")
         (c) A primeira denúncia de golpe contra o governo federal foi formalizada em agosto pelo advogado               Fernando Nizo Bainha, em Florianópolis. (Época, "O golpe das pedras").

    Para fim de classificação, na TAB IV, e de especificação, na TAB V, decidiu-se chamar de descrições relativas as que delimitam o referente em relação a quatro características da informação jornalística: quantidade (maior, grande), novidade (novo, atual), atualidade (último, próximo) e exclusividade (único, principal). Eventos grandes, novos, atuais e, de preferência, exclusivos compõem boa parte dos relatos jornalísticos; no entanto, o fato de algo ser grande (no sentido de importante, poderoso), novo ou atual não é em geral mencionado; são características dadas por favas contadas em jornais, rádio e televisão, que, em regra, as substituem, se for o caso, por indicadores mensuráveis de tamanho, espaço ou tempo. Ninguém espera o pequeno e muito menos o velho, o antigo ou o que já se sabe nos noticiários. As revistas semanais de informação geral, pelo contrário, precisam expressar esses valores, em média, 5,5 vezes por matéria.
Um haitiano rico será, talvez, um homem pobre pelos padrões dos Estados Unidos e a maior transação no mercado de pimenta em pó ridiculamente pequena para o mercado de petróleo ou de diamantes. As descrições relativas, tal como a busca de recordes, parecem, assim, ocupar também a fronteira entre informação e argumento:
        (a) Na África do Sul, o maior produtor mundial, os trabalhadores saíram em marcha pelas ruas contra a venda              de ouro feita pelo BC da Inglaterra. (Veja, "O Ouro perde o brilho")
        (b) A grande revolução virá da telefonia móvel, com o acesso à rede pelo celular. (Época, "Monopólio              condenado")
        (c) Pois bem, dezenas desses negócios faliram nos últimos meses. (Veja, "Acabou a mamata na Internet")
        (d) A principal vantagem é que agora eles contam com injeção eletrônica no lugar do jurássico afogador.              (Isto É, "O mico que virou curinga").

   As descrições qualificativas perfazem 143 ocorrências em 30 textos - quatro a cinco por texto. Aparecem, por vezes, intensificadas por mais, ainda aí buscando o recorde ou a primazia. A forma mais comum, no entanto, é explícita em sua intenção argumental, com o modificador precedendo (à maneira dos adjetivos em inglês e com o ônus, em português, de alterar ou sublimar o seu sentido explicito) ou sucedendo o nome - e, neste caso, disfarçando-se em restritivos verdadeiros, como acontece no exemplo (d). Nos demais, observe-se o quanto é vago ou exagerado, em (a), interminável quando se considera a possibilidade, digamos de se escrever de dez (ou vinte, ou cem) quilômetros; em (b), habitual, que se poderia avalizar pela indicação de feitos do secretário; em (c), inexorável, em lugar dos dados que autorizam a suposição de inevitabilidade de se popularizar a rede (aumento das ligações, redução do preço dos computadores etc.). De qualquer forma, a informação aportada pelos modificadores não seria necessária para a indicação do referente:
        (a) A Marginal Pinheiros (...) está sendo apelidada de Marginal.com em virtude da interminável fila de              outdoors de empresas de Internet que ladeiam as pistas de rodagem. (Veja, "Acabou a mamata na              Internet").
        (b) O Secretário do Tesouro dos EUA, Larry Summers, dissimulou a habitual inflexibilidade. (Época, "A pressão              das ruas").
        (c) O que já não se discute é a inexorável popularização da rede mundial de computadores entre os              brasileiros. (Epoca, "Concorrência digital")
        (d) Nas cidadezinhas sonolentas, surgiu a imagem incomum de loiros tomando chimarrão nos bancos das              praças. (Veja, "O Ex-patinho feio")

   Outra característica interessante desse jornalismo, bem diferente daquele descrito para a produção de notícias ou mesmo de reportagens de jornal, é a presença de palavras que selecionam o público. É o caso de jurássico (que remete, talvez, ao filme Jurassic Park), inexorável e, principalmente, de darwiniana, em "O futuro vem acompanhado de competição darwiniana" (Veja, "Na guerra global"). Ou da acumulação de informações necessárias para decifrar uma seqüência como "Zico e seu filho embarcaram no mesmo aeroporto. A decolagem não apresentou maiores problemas. O agora empresário já decolara na base da chuteira e o cantor, só no sapatinho". O leitor que os editores querem é aquele capaz de entender o que tais palavras e sentenças significam em distintos universos de conhecimento e que se distingue socialmente por isso. Ler essas revistas é fator de diferenciação - o que representa sólido argumento de venda.

   4. Ausência/presença dos modificadores


   A situação mais característica do uso referencial de uma descrição definida ocorre (a) na ausência de modificador e (b) quando o nome nuclear do sintagma é uma designação de pessoa, instituição ou lugar: Ambev, Santander, Pedro Malan. Descrições indicativas, com inserção de modificador, acrescentam informação e permitem entendimentos (isto é, o acionamento de áreas de memória para a construção de modelos) diferenciados: o ministro Malan/o economista Malan; o Santander/o ex-banco de Simonsen.
   A designação de um referente já mencionado pelo cargo, profissão ou alguma característica, além da função de coesão (HALLYDAY, 1970) na gramática do texto, reporta-se à distinção de Frege entre sentido e referência: o presidente, o estadista, o ditador, o governante podem referir-se à mesma pessoa (digamos, Getúlio Vargas), mas cada qual produz efeitos contextuais (SPERBER & WILSON. 1955) divergentes. Da mesma forma, a referência a relações explicitadas antes: a união, a fusão, a aliança, o casamento ativam diferentes entradas enciclopédicas (op. cit.). Os sentidos variam: negócios em conjunto com ou sem perda de identidade de um ou dos dois que se aliam; associação a amor, intimidade, afeto, família. O mesmo ocorre quando se grupam em dois conjuntos de três elementos as seguintes nomeações sinônimas do ponto de vista da referência: (a) concorrência, competição, disputa; (b) luta, conflito, briga. Obviamente, a balança informação/argumentação pende para a esquerda em (a) e para a direita em (b).
   Termos como negócio, fato, declaração, problema, manobra, questão, por sua vagueza, funcionam semanticamente como pronomes, substituindo algo que é, efetivamente, um negócio, um fato, uma declaração; ou que possa ser considerado problema, manobra ou questão. Nomes de doutrinas filosóficas, econômicas ou posições partidárias agregam valores informativos e de argumentação: o conservadorismo, em regra, é bom para os banqueiros e ruim para os produtores.
Nas descrições simples, prevalece a função referencial: revolução dos computadores, tecnológica; guerra de preços, judicial, fiscal; briga entre revendedores e distribuidores de combustíveis, na Internet. As metáforas que nucleiam esses sintagmas, remetendo-os ao impulso agressivo primário, como que se enfraquece com a adição dos restritivos: a revolução não ameaça, de imediato, a ordem constituída; não se espera que haja mortes na guerra nem feridos na briga.
   Nas descrições relativas, o recurso à indeterminação ou vagueza é característico dessas revistas, que, por esse aspecto, se aproximam da retórica epidítica. Próximos são dias, meses ou anos; novos são companhias, investimentos ou a economia; grandes, diferentes negócios, fundos de pensão, esperanças, maiores (da semana, do dia, do mês, do ano; do bairro, da cidade, do país, do mundo) são vendas, empresas, exportadores; ocasionalmente, duas transações diferentes são apresentadas como o maior negócio de todos os tempos (Veja, "O maior negócio do mundo") e, algumas semanas depois, como o maior negócio da história do capitalismo (Veja, "O mouse que ruge"). Principais são os fundamentos dos negócios, as vantagens da injeção eletrônica, os trunfos do governo; únicos (anteposto, no sentido de "só um"; posposto, tem geralmente o sentido de "peculiar") o objetivo da Microsoft e a saída para os supermercados Pão de Açúcar. Nada concreto, palpável, constatável.
As descrições modificadas qualitativas destacam-se nos textos como se fossem deslizes ou desabafos do redator. Predomina, ora a arbitrariedade da escolha, ora a desnecessidade do modificador. Geralmente não há explicações que sustentem a atribuição contida em banco podre (o Bamerindus), o caminho natural (para companhias em crise, vender patrimônio), o relacionamento estreito (entre Jorge Mansur e o Bradesco), ou um dos negócios mais bem sucedidos do Brasil (os supermercados Pão de Açúcar).
   O traço +arbitrariedade é bem mais intenso quando o modificador fica à esquerda do nome e que predomina no caso das descrições definidas. A construção é a que mais lembra o Timestyle, em que o adjetivo mais incomum ou de valor testemunhal precede os demais, logo após o artigo: o respeitado economista americano Paul Krugman (Veja, "A semana em que Bill Gates perdeu"), o habitualmente discreto Bozano (Época, "Júlio comprou, viu e vendeu"), o arredio Carlos Alberto Sicupira (Isto é, "GP mergulha na rede"), o combalido astro de futebol Diego Maradona (Época, "Aliança em risco"), o bravateiro Menem (Veja, "O fanfarrão arrependido"), a vetusta alemã Mannesmann (Veja, "O mouse que ruge"), o fatídico mês de janeiro (Veja, "A nossa crise em Miami"), as já minguadas margens de lucro (Veja, "Na asas da fusão"), o efervescente dialeto da Internet (Isto é, "Chocadeira virtual")... Há ainda enunciados predicativos, em que se diz que algo ou alguém é admirável, feroz, pragmático, agressivo, insignificante, gritante etc.


5. Conclusões


   As possibilidades analíticas da pesquisa de DITTRICH (op. cit.) são demasiadamente amplas para a extensão desse artigo, sobretudo se comparadas com a distinção aqui proposta, por sutil que seja, entre interpretação e opinião.
   Opinar é certamente um direito do indivíduo; opinar abalizadamente privilégio de alguns dentre os estudiosos de um tema. Opiniões abalizadas constroem-se ao longo dos anos - às vezes décadas ou séculos - , do que resulta que mais opiniões têm os tolos do que os sábios.
O que se evidencia é que essas revistas - e, numa análise de consistência ideológica, certamente Veja mais do que as outras - vendem opinião, tanto quanto ou mais do que interpretação ou informação sobre a realidade. Como não poderia deixar de ser em empreendimentos comerciais de tal grandeza, o viés reflete o conjunto de interesses dominantes na sociedade em dado momento, além de traços do hic et nunc dos redatores.
Como faltam dados, o exagero é permitido, o impressionismo e a subjetividade aliam o convencional e o pedante, não há como contestar ou sequer discutir o juízo completo, que é dado como constatação. Trata-se de produzir, não argumentos, no sentido corrente, mas teoremas que decorrem de axiomas convenientes sobre as coisas do mundo. Nada que se pareça com a notícia e a reportagem canônica, seja ela investigativa ou interpretativa; a apuração existe, mas serve principalmente para fornecer fatos objetivos que possam ser vistos "através das emoções multifacetadas", para citar de novo Karl Kraus.
Os leitores socializam-se, assim, pelo mecanismo de adesão conveniente, ao fluxo ideológico que deriva de centros de poder. Terão o que dizer, sem correr riscos. Ainda que a realidade seja apocalíptica, estarão integrados, seguros e serão, portanto, confiáveis.

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